terça-feira, janeiro 10, 2006

A um Portugal mais alegre














Esta é a ditosa pátria minha amada. Não.Nem é ditosa, porque o não merece.Nem minha amada, porque é só madrasta.Nem pátria minha, porque eu não mereço A pouca sorte de nascido nela. Nada me prende ou liga a uma baixeza tanta quanto esse arroto de passadas glórias. Amigos meus mais caros tenho nela, saudosamente nela, mas amigos são por serem meus amigos, e mais nada. Torpe dejecto de romano império;babugem de invasões; salsugem porcade esgoto atlântico; irrisória face de lama, de cobiça, e de vileza, de mesquinhez, de fatua ignorância;terra de escravos, cu pró ar ouvindo ranger no nevoeiro a nau do Encoberto;terra de funcionários e de prostitutas, devotos todos do milagre, castosnas horas vagas de doença oculta;terra de heróis a peso de ouro e sangue, e santos com balcão de secos e molhados no fundo da virtude; terra triste à luz do sol calada, arrebicada, pulha, cheia de afáveis para os estrangeiros que deixam moedas e transportam pulgas, oh pulgas lusitanas, pela Europa;terra de monumentos em que o povo assina a merda o seu anonimato;terra-museu em que se vive ainda, com porcos pela rua, em casas celtiberas;terra de poetas tão sentimentaisque o cheiro de um sovaco os põe em transe;terra de pedras esburgadas, secas como esses sentimentos de oito séculosde roubos e patrões, barões ou condes;ó terra de ninguém, ninguém, ninguém:eu te pertenço. És cabra, és badalhoca, és mais que cachorra pelo cio, és peste e fome e guerra e dor de coração. Eu te pertenço mas seres minha, não.

Jorge de Sena