quarta-feira, março 29, 2006

Um peito sem soutien...

Tenho uma paranóia com o Brasil. Mas como já contei essa estória a muita gente passo em frente.... Um dia no local de encontro do costume no largo da igreja...chegou o Carlos O.S. com a cabeça partida. Era um 1º de Maio provavelmente( para quem não sabe, não era feriado nessa altura) e a PIDE tinha-lhe dado umas cacetetadas valentes... Ouvíamos o Caetano e o Chico fechados num quarto, tal como o Zeca Afonso, o Sérgio Godinho e o José Mário. (Antes do 25 de Abril de 1974 obviamente!). Abaixo a Guerra Colonial... África é dos africanos já bastam 500 anos... pois claro!Nada de extravagante nem verdadeiramente importante. Independência para as colónias já! Apenas havia qualquer coisa que estava mal... Viviamos uma evolução na continuidade. Nunca vi tantos livros do Marx e do Lenine como nessa altura. Tive a sorte de ter uns amigos que pertenciam a uma organização secreta que hoje posso revelar: "as toupeiras vermelhas" que me emprestavam uns livros do E. Mandel e de outros gajos franceses meio estranhos... Mas para ser honesto o livro mais importante para mim, enquanto ouvia os Yes pela centésima terceira vez, foram "Os Thibault" do Roger Martin du Gard. Fiquei chocado com o Camus, porrra...um gajo ia na boa de "Bus" para o enterro da mãe?. Leituras paralelas e importantes "Os três ensaios sobre a sexualidade" do Freud que combinado com "o Combate sexual da juventude"do Reich ajudavam imenso. Para mim... que nunca tinha beijado uma mulher! O meu avô que era um jovem ainda relativamente velho , um ferroviário reformado...um dia chamou-me à parte e depois de uma conversa de treta disse-me frontalmente: Arranja mas é uma namorada!...espero que não sejas desses gajos do MRPP que só armam confusão... Foi mais ou menos nessa altura que vi, toquei e guardei pela primeira vez um "Avante" clandestino e olhei bem uma mulher!
Enfim...estavamos ainda em 74. Nesse mesmo ano, mês de Março fomos a Londres , depois de uns contactos em Portobello Road, trouxemos umas caixas de Kleenex cheias de livros... Entrou assim em Lisboa, a "Histoire de la Revolution d' Octobre" ( os livros tinham sido cortados em dois por causa do peso) . Livro que aliás mantenho mas que até hoje nunca li.
Vinham lá dentro outros, do Amilcar Cabral, do Eduardo Mondlane e mais alguns misturados com propaganda anti-colonial que nunca mais os vi...Chegaram ao seu destino ou simplesmente estarão hoje em casa de um pianista... quem sabe?
Um dia de madrugada veio o 25 de Abril e mudou tudo. Com 18 anos, então o que fazer? um passo à frente, dois para o lado, bora com a Revolução, com a necessidade urgente de criar uma organização da vanguarda. Tarefa afinal bem dificil para burgueses como eu sem consciência de classe... Tinha nascido em Lisboa.... e não era nem operário nem camponês! Enfim...tempos malucos que não deixaram passar ninguém sem mácula. Ainda tentei convencer uma ruiva minha colega na faculdade a ler o "Escuta Zé Ninguém"...sem grande êxito. Apenas um convite para assistir um coral numa igreja em Paço de Arcos...
Foi por aí que ouvi dois discos extraordinários (para a altura claro). "Meu caro Amigo" do Chico e "Leãozinho"Tropicália políticamente incorrectoa, era Caetano! Os brasileiros sempre me tinham deixado meio boboca...cantavam e escreviam coisas que mais ninguém tinha coragem de verbalizar. Não era só a música, era a maneira como liam Fernando Pessoa e já escreviam poemas...