sábado, abril 08, 2006

Todos diferentes todos iguais!

Os mortos são aqueles a quem se sobreviveu dizia Elias Canetti, de quem já falei en passant a propósito da minha visita a Toledo. E a crença na continuidade da vida é defendida por quase todas as religiões. Nalguns povos o culto dos mortos transformou-se num culto dos antepassados. É sobretudo naqueles povos que souberam domar os seus mortos, onde o culto é practicado sem mais mistérios, em festa familiar ou mesmo pública. Na Finlândia, durante o inverno sem dia, o passeio ao cemitério é um acontecimento absolutamente normal. No meio das campas cobertas pela neve acendem-se milhares de velas, vão-se recordando os familiares e bebendo café, vinho quente e vodka para festejar com os mortos a aliança que os transforma em aliados. Não há fantasmas à solta na Finlândia, como também não existem no Brasil como já aqui falei. Apesar do calor, as pessoas choram livremente os seus mortos, acompanham-os em multidões até aos cemitérios onde, passam quase automáticamente a heróis.
Elias Cannetti é practicamente desconhecido, como escritor, como pensador, da maior parte dos meus amigos (apesar de ter sido um Nobel em 1981) mesmo daqueles que são meio judeuscomo o António, ou meio arábes, como todos por aqui somos um pouco.... O álbum fotobiográfico que trouxe de Espanha é fantástico. As memórias de Canetti, nascido na actual Bulgária de uma família de pais sefarditas. Viveu em Vienna, após a morte do pai (onde conheu Alma Mahler e a sua filha Manon Gropius a quem Alban Berg dedicou uma das suas peças mais belas para violino"À memória de um anjo"). Morreu em Zurique em 1994 com oitenta e nove anos.
O Alemão foi a língua escolhida de que nunca mais se separou. Existem traduções em todas as línguas da sua obra maior. Em Portugal, tirando o seu romance maior, "Auto-de-fé", publicado pela Livros do Brasil e esgotado há mais de de 15 anos, existem traduções brasileiras das suas memórias e do seu grande ensaio "Massa e poder", que para além de ser uma excelente prosa literária, que mostra uma imensa cultura iluminista, é um dos mais importantes ensaios "não dogmáticos" e "radicais" que li sobre adesão das massas e ascenção do nazi-fascismo... Obviamente escrito no exílio.
Canetti passou mais de trinta anos para tentar decifrar as raízes mais profundas do totalitarismo (apesar da expressão ser mais da Hannah Arendt, a quem num destes dias "alemães" vou também dedicar um post).
Falo de Canetti e da sua obra porque sempre me chocou a morte quase desejada e gratuita de tantos escritores e intelectuais judeus que não suportaram sobreviver ao Holocausto. Uma morte organizada dos seus familiares, amigos e companheiros cuja lista é enorme.
Hoje vamos todos encontra-nos na Mãe Preta, com filhos e tudo...vamos discutir certamente os mesmos temas de sempre. A Amizade, a solidariedade e sobretudo a diferença... como alguém me escreveu...nada para além dos Homems!

1 Comments:

Blogger Yvette Centeno said...

Fokas, leio e gosto imenso, fico à espera de mais.
Nas aulas estou a dar Nathan der Weise,o drama de Lessing, tão actual ou cada vez mais, hoje.

abril 30, 2006 11:22 da tarde  

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