quarta-feira, maio 24, 2006

F(e)rida

Reconheço que tenho prazer em provocar Aristófanes e alguns apaixonados...mas felizmente tenho do meu lado Platão, que detestava Aristófanes, tenho comigo neste texto, Lucrécio que descobri por acaso (e toda a filosofia) e tenho Freud, Rilke e Proust e todos os poetas que não mentem sobre o corpo!

Dir-se-á que o essencial não está nos livros, o que não me custa a admitir. Mas onde estão na vida real os exemplos, e o que provam? Acontece, que raramente me lembro de um casal que teria vivido essa fusão, esse absoluto...
Também já me falaram de várias pessoas que disseram ter visto a Virgem Maria, e não dou muita importância a isso. Um testemunho é sempre apenas provável, e deve por isso ser confrontado com a probabilidade do que anuncia: se o acontecimento é mais improvável do que a falsidade do testemunho, as próprias razões que nos levam a crer nele devem-nos fazer duvidar da sua veracidade.

Ora, eu prefiro confiar mais nos corpos do que nos livros ou nos depoimentos. É preciso ser dois para fazer amor, e é por isso que o coito, longe de abolir a solidão, só a confirma. Os amantes sabem-no bem. Daí quase sempre o fracasso e a tristeza, tão frequentes nos amantes: Eles queriam um só e ei-los mais dois do que nunca... “da própria fonte dos prazeres”, escreveu magnificamente Lucrécio, ”surge não sei que amargor, que até nas flores sufoca o amante...”.

As almas talvez se pudessem fundir, se existissem. Mas são os corpos que se tocam, que se amam, que gozam, que permanecem... Isso não prova nada contra o prazer, quando é puro, nada contra o amor, quando é verdadeiro. Mas prova algo contra a fusão, que o prazer recusa exactamente quando acreditava alcançá-la: “Post coitium omne animal triste”. Porque se vê novamente entregue a si mesmo, à sua solidão; à sua banalidade; a esse grande vazio do desejo desaparecido. A solidão é o nosso quinhão, e esse quinhão é o nosso corpo

Quando muito podemos por vezes escapar à tristeza, e se isso acontece, é pelo deslumbramento do prazer, do amor, da gratidão, em suma, pelo encontro, que supõe a dualidade, e nunca pela fusão dos seres ou pela abolição das diferenças. Se dois amantes gozam simultaneamente ( o que não é a coisa mais frequente, mas deixemos isso agora para lá ) são dois prazeres diferentes, um misterioso ao outro, dois espasmos, duas solidões.

Daí a grande verdade do Amor: mais vale fazê-lo do que sonhá-lo...