segunda-feira, maio 01, 2006

Jazz e feitiçaria na Margem Sul



Que som é este tão prodigioso e doce que me enche os ouvidos?
A teoria da harmonia das esferas remonta ao filósofo grego Pitágoras (570-496 a. c)... E por detrás de Pitágoras oculta-se sempre Hermes Trigemisto...
Kepler in Harmonices Mundi, 1619, veio tornar o sistema mais complexo, na medida em que atribui a cada planeta uma complexa gama de tons.
Sobre a relação entre música e literatura já muito se escreveu. Como sobre música e pintura também. Não serão estas três artes uma chave mágica que os deuses nos deixaram para entender aquilo que o criador nunca quis tornar inteligível?
Não pensem que estou a delirar. Acordei bem disposto com um sol que me entrava pelo quarto dentro...
Sonhei com a Jacinta a fazer de "sereia numa marcha em New Orleans" e na Marta Hugon que descobri, com dicas de uns amigos especiais numa prateleira da Fnac e foi o meu disco, este fim de semana! Gosto de ouvir música e especialmente jazz quando leio poesia ou banda desenhada. E como acabei "As cartas do Vinícius" peguei no novo album do Servais, L'assassin qui parle aux oiseaux, tome 2 (e final).
Foi através da banda desenhada( e da minha prima mais velha, claro) que comecei a falar uma espécie de "patois gaumais"... qualquer coisa de francês, mas que me dava quase sempre um suficiente menos com tendência para mediocre mais... A minha prima, essa usava mini-saia e fumava( às escondidas...obviamente), um verdadeiro "L'Ange Noir"à portuguesa. Tinha tido um namorado francês durante as férias (que felizmente já tinha regressado à Bretanha) e tinha todo o tempo e gosto de me ensinar durante umas horas extras, simplesmente... francês.

Claro que encontrarei sempre algumas razões para continuar hoje a sonhar em francês, mas estas duas foram sem dúvida importantes...

Mais tarde escrevia cartas de amor à Duras... antes do encontro célebre, com a própria Marguerite durante um debate no festival de cinema da Figueira da Foz. Tinha acabado de ver um filme extraordinário... "Le Camion" sem dúvida um dos filmes que me abriu as portas para outros realizadores considerados mais difíceis. Mas era Setembro e o tempo jogava a nosso favor. Fiquei chocado mas sobrevivi. Ficava aquela música maluca de um pianista extraordinário, um Nino Rota argentino que compunha música para filmes, os filmes dela. Carlos d'Alessio cujo vinil ainda conservo religiosamente e que ainda oiço quando quero que todos se calem!
Quando fui ver "O último ano em Marienbad" do Resnais com a minha já namorada, ela adormeceu e as únicas palavras que lhe ouvi durante todo o filme foram: já acabou?.
E como a prever... o franco-belga foi também por necessidade a minha segunda língua de opcção. Nos anos que vivi em Hamburgo, nessa terra de bárbaros que ultrapassaram o Elba, resolvi ler tudo o que havia sobre cultura alemã, obviamente em Francês. ( Não, não li "Nathan o sábio"...). Ouvia sim, ao contrário, sempre o jornal da TV5 ( Ainda não havia ARTE!), comprava a Lire e via todas as feiras... o programa literário do Bernard Pivot. Foi aí que conheci ídolos de outro modo perfeitamente inacessíveis. Lembro-me de ver por exemplo a Françoise Sagan...que falava obsessivamente depressa...enfim. Quem diria que a autora de Bonjour tristesse, o primeiro romance que ousei ler no original era assim tão "passada". Claro que havia mais mulheres na minha vida, mas não havia nenhuma que se comparasse a uma Barbara... Havia também, claro, a "Joana francesa ( Do Chico Buarque) e do Jules e do Jim", a ousada B. Bardot...Sou apenas de uma geração que veio de França, como outras vieram... de Africa ou das Américas...tout court.
Porque não sejamos ingénuos... as mulheres estão sempre no centro do mistério, e foram elas que nos ensinaram a voar sem vassoura.
As andorinhas voltaram.
Adoram ouvir jazz.
E gostam de se colocar mesmo em frente de casa em cima dos cabos de electricidade.