Um Professor no Café Luxemburgo
Não quero falar outra vez no Holocausto nem na Guerra do Iraque nem no Presidente que tem estado bem (tem falado pouco...felizmente).A propósito de outras conversas aqui no cyberespaço escrito em português (CEEP) lembrei-me desse tempo da tertúlia que eram os cafés e que depois durante a ditadura passaram a ser as salas e caves escondidas das livrarias.
Hoje, a geração FNAC e que viaja muito mesmo sem sair de casa pode escolher o tema que quiser sem se preocupar com o tempo que sobra, na impossibilidade practica de encontrar um emprego diferente de passar os dias numa caixa de supermercado ou a servir bicas ao balcão. Mas não quero ir por aí...
Quero é como o Antonio Tabucchi, que as palavras fiquem escritas e que tenham um nome. Tenho uma aversão a um certo discurso em voga que relativisa tudo e vale apenas por si só. Como aquela afirmação pseudo intelectual em que duas pessoas de boa fé, com base nos mesmos dados, têm que chegar a conclusões idênticas. Mas também não quero ir por aí...
A ciência nomeadamente as ciências sociais e a literatura adoraram sempre degladiar-se neste debate eterno sobre a representação ou livre representação da realidade. Sobretudo no caso de uma disciplina que se aproxima da minha, se cruza e descruza em namoros com é o caso da Literatura. A única diferença é que a minha dama, mais desconfiada e por isso menos sonhadora, refere-se normalmente a factos observados por vários participantes situados muitas vezes em campos antagónicos. Do ponto de vista da escrita da narrativa só temos a aprender com ela. Da gramática à poesia.
Todas elas representam uma parte deste saber que cada vez mais necessita da sua reconciliação com a arte e a vida. A economia deve estar ao serviço do homem e não o contrário... "tout court". Não existe pensamento único nem morte da História, enquanto esse sucesso do capitalismo neoliberal e da democracia, se basear na crescente exclusão do "outro" da parte do bolo que lhe cabe pelo seu trabalho.
Vou tentar ser mais simples... a minha Professora diria que esta estória dos "posts" é uma verdadeira psicanálise de "bistrot". E não deixa de ter razão... Mas aposto que não conhecia o Norbert Elias!
Norbert Elias era praticamente desconhecido com cientista social em Portugal depois do 25 de Abril. Aliás, o reconhecimento internacional de Elias é tardio em toda a comunidade científica. Mais um alemão( dizem uns...este gajo só pensa em germanicar a malta), judeu (lá tinha que vir mais um para a colecção...), que fugiu ao nazismo nos inícios dos anos 30, enquantos outros escreviam, convivendo com essa situação, romances e poesia...
Estudou Psiquiatria e Filosofia e esteve a um passo de se tornar o asssistente de Karl Mannheim na Universidade de Frankfurt. Viveu em Inglatera quase 40 anos. Jubilado em 1969 em Leicester passou a ser conhecido como um dos mais eminentes sociólogos do seu tempo, com a republicação internacional da sua tese de "habilitation" O Processso Civilizacional , editado na Suiça, numa pequena editora em 1939. E traduzido entre 69 e 83 para praticamente todas as línguas. Elias deu um contributo fundamental para a sociologia moderna. O seu texto sobre Os alemães é de uma extraordinária riqueza, combinando a história polítical-social e cultural com a sua veia freudiana (que nunca perdeu). A sua tripla formação, filosófica, psiquiátrica e sociológia aparece em toda a sua obra. A sua longevidade criativa permitiu-lhe desenvolver um pensamento original deixando como legado as suas ferramentas teóricas, hoje ao dispor de todas as Ciências do Homem. Os seus textos tardios são de uma beleza extraordinária e ilustram o verdadeiro humanista que sempre foi. Simplesmente um Homem. Errou na avaliação que fez das capacidades de sobrevivência do império soviético, mas entendeu que a guerra é a expressão mais brutal das relações de violência e representa um retrocesso e um falhanço grave no processo civilizacional e nas relações internacionais entre os povos.
O ensaio sobre o Tempo, Os estabelecidos e os outsiders, A solidão dos idosos são livros que podem ser lidos com imenso agrado, como o jornal Tintin, dos 9 aos 99 anos. Toda a simplificação é naturalmente ela também resultado de um processo civilizacional que molda os nossos comportamentos e ousa hoje através do controle dos medias moldar o nosso próprio pensamento. Aliás, para ainda ser ainda mais claro, considerando o crescimento dos saberes sem precedência na História, o que se verifica é que se acentua a desigualdade entre os que os possuem e os que deles estão privados.
Essa é a razão pelo qual gosto de algum rigor, abertura e tolerância, que são as características fundamentais de qualquer atitude e visão responsável de um cidadão da Terra.
Daí o meu pouco interesse pelo nacionalismo, e outros ismos que já demonstraram a pobreza intrínseca do pensamento único.
Mas quando se fala em processo não significa progresso, tal como foi um verdadeiro retrocesso a barbárie nazi e tenta hoje ser a prática e a propaganda do novo império americano e dos seus incondicionais defensores.
Infelizmente não sou bruxo e não advinho quanto tempo esta situação vai durar. Mas admito até que não vá durar muito... A ética política que recusa o diálogo e a discussão de qualquer origem, não tem respeito pelo outro, pelo que não se pode queixar com o que lhe vier a acontecer....
O Norbert Elias achou que já era tarde. Despedimo-nos e prometemos encontrar-nos de novo no próximo ano em Paris... Foi a última vez que o vi. Morreu em 1990, em paz como ele explicava. Orfãos ficamos nós que o perdemos.

1 Comments:
Grande Mestre Fokas!!!
Reflexões destas fazem bem à alma. Inteligência e lucidez, precisa-se. Até já...
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