quarta-feira, maio 17, 2006

Um Professor no Café Luxemburgo

Não quero falar outra vez no Holocausto nem na Guerra do Iraque nem no Presidente que tem estado bem (tem falado pouco...felizmente).

A propósito de outras conversas aqui no cyberespaço escrito em português (CEEP) lembrei-me desse tempo da tertúlia que eram os cafés e que depois durante a ditadura passaram a ser as salas e caves escondidas das livrarias.
Hoje, a geração FNAC e que viaja muito mesmo sem sair de casa pode escolher o tema que quiser sem se preocupar com o tempo que sobra, na impossibilidade practica de encontrar um emprego diferente de passar os dias numa caixa de supermercado ou a servir bicas ao balcão. Mas não quero ir por aí...
Quero é como o Antonio Tabucchi, que as palavras fiquem escritas e que tenham um nome. Tenho uma aversão a um certo discurso em voga que relativisa tudo e vale apenas por si só. Como aquela afirmação pseudo intelectual em que duas pessoas de boa fé, com base nos mesmos dados, têm que chegar a conclusões idênticas. Mas também não quero ir por aí...

A ciência nomeadamente as ciências sociais e a literatura adoraram sempre degladiar-se neste debate eterno sobre a representação ou livre representação da realidade. Sobretudo no caso de uma disciplina que se aproxima da minha, se cruza e descruza em namoros com é o caso da Literatura. A única diferença é que a minha dama, mais desconfiada e por isso menos sonhadora, refere-se normalmente a factos observados por vários participantes situados muitas vezes em campos antagónicos. Do ponto de vista da escrita da narrativa só temos a aprender com ela. Da gramática à poesia.
Todas elas representam uma parte deste saber que cada vez mais necessita da sua reconciliação com a arte e a vida. A economia deve estar ao serviço do homem e não o contrário... "tout court". Não existe pensamento único nem morte da História, enquanto esse sucesso do capitalismo neoliberal e da democracia, se basear na crescente exclusão do "outro" da parte do bolo que lhe cabe pelo seu trabalho.
Vou tentar ser mais simples... a minha Professora diria que esta estória dos "posts" é uma verdadeira psicanálise de "bistrot". E não deixa de ter razão... Mas aposto que não conhecia o Norbert Elias!

Norbert Elias era praticamente desconhecido com cientista social em Portugal depois do 25 de Abril. Aliás, o reconhecimento internacional de Elias é tardio em toda a comunidade científica. Mais um alemão( dizem uns...este gajo só pensa em germanicar a malta), judeu (lá tinha que vir mais um para a colecção...), que fugiu ao nazismo nos inícios dos anos 30, enquantos outros escreviam, convivendo com essa situação, romances e poesia...
Estudou Psiquiatria e Filosofia e esteve a um passo de se tornar o asssistente de Karl Mannheim na Universidade de Frankfurt. Viveu em Inglatera quase 40 anos. Jubilado em 1969 em Leicester passou a ser conhecido como um dos mais eminentes sociólogos do seu tempo, com a republicação internacional da sua tese de "habilitation" O Processso Civilizacional , editado na Suiça, numa pequena editora em 1939. E traduzido entre 69 e 83 para praticamente todas as línguas. Elias deu um contributo fundamental para a sociologia moderna. O seu texto sobre Os alemães é de uma extraordinária riqueza, combinando a história polítical-social e cultural com a sua veia freudiana (que nunca perdeu). A sua tripla formação, filosófica, psiquiátrica e sociológia aparece em toda a sua obra. A sua longevidade criativa permitiu-lhe desenvolver um pensamento original deixando como legado as suas ferramentas teóricas, hoje ao dispor de todas as Ciências do Homem. Os seus textos tardios são de uma beleza extraordinária e ilustram o verdadeiro humanista que sempre foi. Simplesmente um Homem. Errou na avaliação que fez das capacidades de sobrevivência do império soviético, mas entendeu que a guerra é a expressão mais brutal das relações de violência e representa um retrocesso e um falhanço grave no processo civilizacional e nas relações internacionais entre os povos.
O ensaio sobre o Tempo, Os estabelecidos e os outsiders, A solidão dos idosos são livros que podem ser lidos com imenso agrado, como o jornal Tintin, dos 9 aos 99 anos. Toda a simplificação é naturalmente ela também resultado de um processo civilizacional que molda os nossos comportamentos e ousa hoje através do controle dos medias moldar o nosso próprio pensamento. Aliás, para ainda ser ainda mais claro, considerando o crescimento dos saberes sem precedência na História, o que se verifica é que se acentua a desigualdade entre os que os possuem e os que deles estão privados.
Essa é a razão pelo qual gosto de algum rigor, abertura e tolerância, que são as características fundamentais de qualquer atitude e visão responsável de um cidadão da Terra.
Daí o meu pouco interesse pelo nacionalismo, e outros ismos que já demonstraram a pobreza intrínseca do pensamento único.
Mas quando se fala em processo não significa progresso, tal como foi um verdadeiro retrocesso a barbárie nazi e tenta hoje ser a prática e a propaganda do novo império americano e dos seus incondicionais defensores.
Infelizmente não sou bruxo e não advinho quanto tempo esta situação vai durar. Mas admito até que não vá durar muito... A ética política que recusa o diálogo e a discussão de qualquer origem, não tem respeito pelo outro, pelo que não se pode queixar com o que lhe vier a acontecer....

O Norbert Elias achou que já era tarde. Despedimo-nos e prometemos encontrar-nos de novo no próximo ano em Paris... Foi a última vez que o vi. Morreu em 1990, em paz como ele explicava. Orfãos ficamos nós que o perdemos.

1 Comments:

Blogger Elsa Gonçalves said...

Grande Mestre Fokas!!!
Reflexões destas fazem bem à alma. Inteligência e lucidez, precisa-se. Até já...

maio 18, 2006 4:42 da tarde  

Enviar um comentário

<< Home