quarta-feira, janeiro 30, 2008

Olivier Messiaen no Coliseu

"Ouvir é uma concessão da plateia, reouvir é o seu desejo" (Luiz Tatit).
A preferência por obras já conhecidas é uma defesa humana de preservação da identidade. Aquilo que nos atrai é parte de nós que se afasta, mas que procuramos de volta para nos sentirmos inteiros. É esse, aliás o sentido do "objecto". O sujeito persegue-o não por qualquer veleidade, mas porque ele constitui um "pedaço de si" que precisa de ser recuperado. Assim, não há mal nenhum em querer voltar a ouvir a mesma peça ou a mesma canção. É um modo de reavivar a memória, de tempos já vividos, associados a ideias ou situações agradáveis, e de realinhar conteúdos que por vezes vagueiam dispersos. É um modo de dar tempo ao tempo e de revigorar a nosssa identidade diante de um mundo cujo andamento acelerado nos tende a despedaçar.
Os concertos são por isso rituais de comunhão que atingem o seu climax quando a plateia canta com o artista aquilo que já ouviu muitas vezes ou dá por si, depois na rua a cantarolar aquela ária ou passagem. Todos se juntam em defesa de um património subjectivo e colectivo que a "realidade" fora da sala teima em delapidar. Acontece porém que esta atitude saúdadel do ponto de vista da saúde mental é muito pouco compatível com atitudes mais criativas e inovadoras, porque os próprios artistas já se ressentem desta pouca disposição do público para ouvir novas composições ou mesmo novas canções. E se é um facto que nunca se produziu tanto e melhor como nos nossos dias, a oferta cultural têm superado a procura em diversos casos.
Foi o que aconteceu ontem no Coliseu. Em dez andamentos, com uma duração vizinha dos 80 minutos, a Sinfonia Turangalîla (cujo nome provém da junção de dois vocábulos sânscritos) é uma das mais emblemáticas partituras orquestrais do século XX. Foi escrita para grande orquestra, incluindo um piano com importantes episódios solísticos e um dos primeiros instrumentos electroacústicos: as Ondes Martenot, de que Messiaen era grande entusiasta. A orquesta da SWR de Baden-Baden e Friburg, dirigida pelo seu maestro titular o francês Sylvain Crambreling, desempenhou brilhantemente e de uma forma prodigiosa, uma peça de uma força descontida que dividiu os ouvidos habituados ao "mainstream" das grandes audiências, incapazes de compreender que a música é mais do que uma mera repetição.
Sem querer entrar com velhos critérios ideológicos do século passado, ficou patente o falanço de uma programação desadequada, ao público, ao local escolhido e ao dia de semana de trabalho... dia que por sinal, o novo ministro da Cultura tomou posse.

Algo anda muito podre neste Reino da Dinamarca!