quarta-feira, maio 31, 2006

Once upon a time...

Um dia encontrei por mero acaso um livro fabuloso em Amsterdam... era uma tese académica que falava na representação da Idade Média, nos nossos livros de História do século XX.
Falava de toda a gente, incluindo os "Oxford Fantasists", um clube de poetas mortos que incluía entre outros o Tolkien e o Lewis. Fiquei chocado. Ao lado de de um Marc Bloch?
Hoje, vinte anos depois, fico radiante quando entendo que o mundo muda como o Gedeão acreditava... Na magia admirável dos olhares e na alquimia de um silêncio, mas também na luta por um código de ética laica contra a manipulação descarada da ideologia.
Aqui fica um manifesto "à francesa" de um grupo de reconhecidos historiadores para contestar a intromissão dos políticos na liberdade de expressão:

"Emus par les interventions politiques de plus en plus fréquentes dans l'appréciation des événements du passé et par les procédures judiciaires touchant des historiens et des penseurs, nous tenons à rappeler les principes suivants :
L'histoire n'est pas une religion. L'historien n'accepte aucun dogme, ne respecte aucun interdit, ne connaît pas de tabous. Il peut être dérangeant.
L'histoire n'est pas la morale. L'historien n'a pas pour rôle d'exalter ou de condamner, il explique.
L'histoire n'est pas l'esclave de l'actualité. L'historien ne plaque pas sur le passé des schémas idéologiques contemporains et n'introduit pas dans les événements d'autrefois la sensibilité d'aujourd'hui.
L'histoire n'est pas la mémoire. L'historien, dans une démarche scientifique, recueille les souvenirs des hommes, les compare entre eux, les confronte aux documents, aux objets, aux traces, et établit les faits. L'histoire tient compte de la mémoire, elle ne s'y réduit pas. L'histoire n'est pas un objet juridique. Dans un Etat libre, il n'appartient ni au Parlement ni à l'autorité judiciaire de définir la vérité historique. La politique de l'Etat, même animée des meilleures intentions, n'est pas la politique de l'histoire.
C'est en violation de ces principes que des articles de lois successives notamment lois du 13 juillet 1990, du 29 janvier 2001, du 21 mai 2001, du 23 février 2005 ont restreint la liberté de l'historien, lui ont dit, sous peine de sanctions, ce qu'il doit chercher et ce qu'il doit trouver, lui ont prescrit des méthodes et posé des limites. Nous demandons l'abrogation de ces dispositions législatives indignes d'un régime démocratique. "

Jean-Pierre Azéma, Elisabeth Badinter, Jean-Jacques Becker, Françoise Chandernagor, Alain Decaux, Marc Ferro, Jacques Julliard, Jean Leclant, Pierre Milza, Pierre Nora, Mona Ozouf, Jean-Claude Perrot, Antoine Prost, René Rémond, Maurice Vaïsse, Jean-Pierre Vernant, Paul Veyne, Pierre Vidal-Naquet e Michel Winock.

Montedemo ou Montenegro?


Falar da etimologia do conceito de identidade e traçar o seu percurso na história da cultura europeia até aos nossos dias para concluir que o tema é um exemplo perfeito de um vaivém da moda ideológica...O termo não existe no latim clássico nem no neologismo escolástico.
O conceito em si é um paradoxo: pressupõe a similaridade mas é ao mesmo tempo uma singularidade
Em primeiro lugar a identidade é um conceito, uma coisificação do real. Não se pode provar nem refutar porque não é mensurável.
Em segundo lugar o conceito vem de diferentes disciplinas, da psicologia clínica à teoria do marketing, combinada com os preconceitos e os pressupostos comuns a quase dois séculos de ideologia nacionalista e da sua teorização.
Finalmente, a identidade existe objectivamente como um sentimento subjectivo, é uma emoção e uma simplificação extrema de uma noção em que um sujeito é ao mesmo tempo– individual e colectivo – e apenas se revê apenas na oposição entre o sujeito e o outro, que procura entender dentro da alma de uma pessoa o carácter de uma comunidade.

Mas será que o conceito perdeu mesmo todo o seu sentido operatório? Todos os conceitos são abertos nas fronteiras e a crítica constante destes próprios conceitos podem e devem levar os investigadores a tomarem consciência dos seus limites metodológicos, sem cair no absurdo, de esquecer que “os projectos de identidade” quando se manifestam são rivais e disputam o mesmo espaço do discurso.

Outra ideia interessante a da "polissemia" do termo identidade que tem dado azo a ambiguidades e equívocos diversos. Por vezes confunde-se com o de carácter nacional e por isso adquire uma conotação ideológica negativa. Noutros contextos adquire uma conotação de comunidade de ideias e visa uma acção conjunta visando o futuro. Na maior parte dos casos os dois sentidos sobrepõem-se e isso complica o debate.

A historicidade do conceito aplicado à história medieval portuguesa acabaram por identificar dois momentos distintos. O primeiro em volta da ideia de “Hispanidade” que remonta aos tempos tardo romanos- godos e que aparece nos escritos de Isidoro de Sevilha e dos juristas do século XIII. Os reinos peninsulares são realidades regionais mas ainda não se demarcam uns dos outros, desta ideia comum duma mesma hispanidade cristã. A batalha de Salado resveste-se ainda de todo o anterior simbolismo, dos reinos cristãos peninsulares pela oposição aos outros, "os mouros". As primeiras manifestações de uma consciência nacional só aparecem em Portugal mais tarde durante a crise de 1385.
Para terminar recordando Herculano sobre Portugal, só a vontade política de um grupo a impôs!

Montenegro ou Montedemo?

Tropicália

"E quem há de negar que esta lhe é superior E deixa os portugais morrerem à míngua "Minha pátria é minha língua" Fala mangueira! Fala! Flor do Lácio Sambódromo Lusamérica latim em pó O que quer O que pode Esta língua? Vamos atentar para a sintaxe dos paulistas E o falso inglês relax dos surfistas Sejamos imperialistas Vamos na velô da dicção choo choo de Carmen Miranda E que o Chico Buarque de Holanda nos resgate E - xeque-mate - explique-nos Luanda Ouçamos com atenção os deles e os delas da TV Globo ......A língua é minha pátria E eu não tenho pátria: tenho mátria E quero frátria ..."

o português, é muito musical, gosto da abundância de vogáis: areia, sereia, baleia, praia, saia; também é muito doce". Caetano Veloso

terça-feira, maio 30, 2006

Entre o sempre e o nunca que pode acontecer a qualquer instante


"A Festa de Babette".Pia Tafdrup. Dinamarca. O título não corresposponde ao texto. "Dá-me chuva" é um poema feminino, centrado no desejo, fisíco, sensual, quase impossível de ser escrito em português...

"Dá-me chuva
como mãos vivas
ou passa-me
o instante
na ponta da uma faca
eu fico aberta. "

Citações mágicas


Reprodução do artigo do historiador José Murilo de Carvalho publicado pelo jornal O Globo em 16/12/99, pág. 7, intitulado – "Como escrever a tese certa e vencer".

Ter que fazer uma tese de doutoramento na incerteza de como será recebida e na insegurança quanto ao futuro da carreira é experiência traumática. Quando passei por ela, gostaria de ter tido alguma ajuda. É esta ajuda que ofereço hoje, após 30 anos de carreira a um hipotético doutorando, ou doutorando, sobretudo das áreas de humanidade e ciências sociais. Ela não vai garantir êxito, mas pode ajudar a descobrir o caminho das pedras.

Dois pontos importantes na feitura da tese ou na redação de trabalhos posteriores são as citações e o vocabulário. Você será identificado, classificado e avaliado de acordo com os autores que citar e a terminologia que usar. Se citar os autores e usar os termos corretos estará a meio caminho do clube. Caso contrário, ficará de fora à espera de uma eventual mudança de cânone, que pode vir tarde demais. Começo com os autores ... A regra no Brasil foi e continua sendo: cite sempre e abundantemente para mostrar erudição. Mas, atenção, não cite qualquer um. É preciso identificar os autores do momento. Eles serão sempre estrangeiros. No momento, a preferência é para franceses, alemães e ingleses, nesta ordem. Entre os franceses, estão no alto Ricoeur, Lacan, Derrida, Deleuze, Chartier, Lefort. Foucault e Bourdieu ainda podem ser citados com proveito. Quem se lembrar de Althusser e Poulantzas, no entanto, estará vinte anos atrasados, cheirará a naftalina. Se for para citar um marxista, só o velho Gramsci, que resiste bravamente, ou o norte-americano F. Jameson. Entre os alemães, Nietzsche voltou com força. Auerbach e Benjamin, na teoria literária, e Norbert Elias, em sociologia e história, são citações obrigatórias. Sociólogos e cientistas políticos não devem esquecer Habermas. Dentre os ingleses, Hobsbawm. P. Burke e Giddens darão boa impressão. Autores norte-americanos estão em alta. Em ciência política, são indispensáveis, R. Dahl, ainda é aposta segura, Rorty e Rawls continuam no topo. Em antropologia, C. Geertz pega muito bem, o mesmo para R. Darnton e H. White em história. Não perca tempo com latino-americanos ( ou africanos, asiáticos, etc. ). Você conseguirá apenas parecer um tanto exótico.

Brasileiros não ajudarão muito, mas também não causarão estrago se bem escolhidos. Um autor brasileiro, no entanto, nunca poderá faltar: seu orientador ou orientadora. Ignorá-lo é pecado capital. Você poderá ser aprovado na defesa de tese, mas não terá seu apoio para negociar a publicação dela e muito menos a orelha assinada por ele. Se o orientador não publicou nada, não desanime. Mencione uma aula, uma conferência, qualquer coisa.

O vocabulário é a outra peça chave. Uma palavra correta e você será logo bem visto. Uma palavra errada e você será esnobado. Como no caso dos autores, no entanto, é preciso descobrir os termos do dia. No momento, não importa qual seja o tema de sua tese, procure encaixar em seu texto uma ou mais das seguintes palavras: olhar ( as pessoas não vêem, opinam, comentam, analisam, elas têm um olhar ); descentrar ( descentre sobretudo o Estado e o sujeito ); desconstruir ( desconstrua tudo ); resgate ( resgate também tudo o que for possível, história, memória, cultura, Deus e o diabo, mesmo que seja para desconstruir depois ); polissêmico ( nada de “mono”); outro, diferença, alteridade ( é a diferença erudita ), multiculturalismo ( isto é básico : tudo é diferença, fragmente tudo, se não conseguir juntar depois, melhor ); discurso, fala, escrita, dicção ( os autores teóricos produzem discurso, historiadores fazem escrita, poetas têm dicção); imaginário ( tudo é imaginado, inclusive a imaginação ), cotidiano ( você fará sucesso se escolher como objeto de estudo algum aspecto novo do cotidiano, por exemplo, a história da depilação feminina); etnia e gênero ( essenciais para ficar bem com afro-brasileiros e mulheres ); povos ( sempre no plural, “os povos da floresta”, “os povos da rua”, no singular caiu de moda, lembra o populismo dos anos 60, só o Brizola usa ); cidadania ( personifique-a: a cidadania fez isso ou aquilo, reivindicou, etc. ). Para maior efeito, tente combinar duas ou mais dessas palavras. Resgate a diferença. Melhor ainda: resgate o olhar do outro.

Atinja a perfeição: desconstrua, com novo olhar, os discursos negadores do multiculturalismo. E assim por diante.

Como no caso dos autores, certas palavras comprometem. Você parecerá démodé se falar em classe social, modo de produção, infra-estrutura, camponês, burguesia, nacionalismo. Em história, se mencionar descrição, fato, verdade, pode encomendar a alma.

Além dos autores e do vocabulário, é preciso ainda apreender a escrever como um intelectual acadêmico ( note que acadêmico não se refere mais à Academia Brasileira de Letras, mas à universidade ). Sobretudo, não deixe que seu estilo se confunda com o de jornalistas ou outros leigos. Você deve transmitir a impressão de profundidade, isto é, não pode ser entendido por qualquer leitor. Há três regras básicas que formulo com a ajuda do editor S. T. Williamson. Primeira: nunca use uma palavra curta se puder substituí-la por outra maior: não é “crítica” mas “criticismo”. Segunda: nunca use só uma palavra se puder usar duas ou mais: “é provável” deve ser substituído por “ a evidência disponível sugere não ser improvável”. Terceira: nunca diga de maneira simples o que pode ser dito de maneira complexa. Você não passará de um mero jornalista se disser: “os mendigos devem ter seus direitos respeitados”. Mas se revelará um autêntico cientista social se escrever: “o discurso multicultural, com ser desconstrutor da exclusão, postula o resgate da cidadania dos povos da rua”.

Boa sorte.

quinta-feira, maio 25, 2006

Caetano e os Canibais

A Propoósito do colóquio (muito bem) organizado pela Fundação Luso- Brasileira sobre o tema "Fluxos literários entre Portugal e o Brasil" aqui fica uma pequena contribuição pessoal. O Brasil nunca saiu da minha vida. Vivi na Av. do Brasil. Perto, havia o liceu Padre António Vieira, que frequentei até ao 25 de Abril. Entre o liceu e a Av. Rio de Janeiro, descobri, reconheci, achei... os meus amigos de adolescência. Um deles até era descendente directo do descobridor oficial do Brasil. Morei depois numa rua com o nome de um bandeirante Paulista antes der chegar à rua do santo Doutor (este último português de Alhandra).

Nas tardes de uma primavera marcelista, traficávamos letras e canções, ouvíamos Chico e Caetano e Novos Baianos e discutíamos muito ...porque nem todos entre nós, estavam de acordo com os novos sons e gostos musicais que nos chegavam do Brasil.

Mas o tema é a antropofagia. Ou melhor: como nasceu esta apropriação do mito antropofágico por parte dos Brasileiros? Como e quando é que o brasileiro nascido no encontro da terra do pau-brasil, do índio, do branco e do negro decidiu aceitar a herança canibal que lhe vinha dos relatos dos outros? Porque canta a Adriana Partinpim “Vamos comer Caetano”?
Luciana Stegagno Picchio, num livro recentemente publicado sobre as Viagens dos Portugueses...cita Drummond de Andrade......Museus! estátuas! catedrais! O Brasil só tem canibais!
“....Que o Brasil seja a terra dos canibais além de ser a dos papagaios, é um lugar comum, presente nas obras de brasileiros e de estrangeiros, desde os primeiros anos da conquista até aos nossos civilizadíssimos anos 2000. E isto tanto ao nível de uma realidade antropológica ( melhor diríamos antropofágica) quanto de metáfora esclarecedora.”[1]
Esta verdadeira paixão brasileira de comer, de devorar, de deglutinar tanto o Bispo Sardinha...[2].como a carne holandesa mais branca e menos sebosa, que o herói caboco de João Ubaldo Ribeiro[3], confessa, ser bastante melhor que a de todos os portugueses e espanhóis que já provara...

A antropofagia vem de longe,.não é uma característica especificamente brasileira. Claro, de devoradores de homens, estão cheias as crónicas, e os canibais, pré-históricos e actuais foram estudados a vários níveis. Basta citar o clássicos de Montaigne[4] e de S. Freud[5 ] e toda uma multidão de antropólogos , etnólogos, estudiosos da história das religiões, aos psicólogos e psicanalistas. “...O que é brasileiro...“é porque e como é que, o brasileiro, acusado de antropofagia pelos estrangeiros, decidiu aceitar-se a si próprio como representante, por um lado, diacronicamente , do índio primordial, e por outro, sincronicamente, do índio ainda primitivo, parte do Brasil Multirracial?...” [6].

Em 67, Caetano Veloso e Gilberto Gil, vão introduzir o som eléctrico... e recrear e incorporar nas suas letras, o discurso provocatório do movimento modernista brasileiro.
Caetano explica no seu livro, o encontro com a obra de Oswaldo de Andrade, através de uma peça, inédita, levada ao palco pelo grupo de teatro Oficina, de São Paulo - “O rei da vela”. “...eu tinha escrito “Tropicália” havia pouco tempo quando “o rei da vela” estreou. Assistir a essa peça representou para mim a revelação de que havia de fato um movimento acontecendo no Brasil. Um movimento que transcendia o âmbito da música popular.”[7] “...a ideia de canibalismo cultural servia-nos, aos tropicalistas, como uma luva. Estávamos “comendo” os Beatles e Jimi Hendrix. Nossas argumentações contra a atitude defensiva dos nacionalistas encontravam aqui uma formulação sucinta e exaustiva...”[8]

O código da comida é um dos mais importantes no caso do Brasil. Saber comer é muito mais refinado do que alimentar-se. O mesmo facto associa a comida à sexualidade. "A relação sexual eo acto de comer aproximama-se num tal sentido que indica como os brasileiros entendem a sexualidade e a veem não como um encontro de opostos e iguais(o homem e a mulher que seriam donos de si mesmo) mas como um modo de resolver essa igualdade através da absorção, simbolicamente consentida em termos sociais, de um pelo outro.[9]

[1]Picchio, Luciana Stegagno, Mar Aberto – Viagens dos Portugueses, Lisboa , Caminho, 1999, p. 145
[2] Andrade, Oswaldo de, A Utopia Antropofágica, S. Paulo, Editora Globo, 1990
[3] Ribeiro, João Ubaldo, Viva o Povo Brasileiro, Lisboa, D. Quixote, 1995
[4] Montaigne, Essais, Cap. XXXI, Des Cannibales, Paris, Pocket,1998
[5]Freud, Sigmund, Totem et Tabu, Paris, Gallimard, Idées, 1940
[6]Picchio, ibid., p.148
[7] Veloso, Caetano, Verdade Tropical, São Paulo, Companhia das Letras, 1977, p.244
[8] ibid., p.247
[9] DaMatta, Roberto , O que faz o brasil , Brasil?, Rio de Janeiro,Rocco,2001, pp. 60.

quarta-feira, maio 24, 2006

O Crime

Rubem Fonseca inaugura o romance policial no Brasil com "O caso Morel". Neste romance retrata aspectos do quotidiano e das experiências da burguesia carioca da Zona Sul do Rio de Janeiro, misturando "instinto e asfalto", expressões de uma libido sem saída até uma convivência de afecto e projecto...

O livro foi publicado no Brasil em 1973, conta a história de um artista plástico que mantém uma relação com Joana, uma rapariga mais nova, filha de um embaixador, passando a viver com ela e outras duas mulheres - a trapezista Ismêndia e a modelo e prostituta Carmen no mesmo apartamento. O trio forma uma família muito especial. Até que Joana aparece morta na praia e aí começa o enredo...

A escrita de Rubem Fonseca descreve sem medo das palavras, situações cruas, cenas de violência e depravação, vistas como reflexo da tecnocracia e da sua acção num mundo subdesenvolvido, o Brasil, como sinal de deterioração dos valores burgueses vigentes. Uma escrita seca, incisiva. "A confirmação da potencialidade da ficção brasileira na abertura às diferenças que não se esgotam nem nos "bas-fonds" cariocas nem nos rebentos paulistas em crise de identidade".

O escritor, procura analisar as percepções e lembranças segundo um materialismo clássico, separando os comportamentos das suas personagens, protótipos sociais dos anos 60. Aqui, o escritor demonstra a força e o fôlego em páginas cruéis onde disseca os motivos (em geral perversos) que regem os comportamentos dos seus personagens que ainda trazem bem presente a marca de tipos sociais do passado.

“- Papai, estou fodido.
- Está todo o mundo fodido. Ele não piscava o olho. Talvez pensasse no pai dele, o meu avô, saindo de dentro do seu veleiro como do útero da mãe, remando solitário num pequeno barco, em busca do maldito peixe, na madrugada turva daquele mar feroz, com fé em Deus e nos braços musculosos. Segurei na mão de meu pai. Os braços dele estavam roxos das porcarias que as enfermeiras tentavam enfiar-lhe no corpo e que escapavam das veias como as águas saem dos esgotos nas tempestades. Virei as palmas das suas mãos descoradas e ali estavam os calos, amarelos e duros como as escamas dos peixes.

Naquele instante o meu pai morreu.” O caso Morel, (pp.50-51).

De forma exemplar em O Caso Morel, narrador e personagem confundem-se. Duas visões que se cruzam com um terceiro narrador, o próprio escritor que vai deixando traços ao longo das páginas: das citações sem qualquer referência às constantes notas de rodapé. Avisos que se repetem incessantemente, como um aviso ao leitor (sejamos nós ou Vilela). Quem está a falar? A quem se dirigem os avisos? Leitor, narrador e personagem são elementos que se confundem e interagem em todo o livro.

Dois pontos de vista ou um só? Qual é afinal a verdade? Não há apenas uma verdade. Há sim, um livro dentro de um livro e o livro de dentro transforma-se num repertório de pistas que dão ao leitor a possibilidade de partilhar a criação da verdade ou das várias verdades... Desta forma, as narrativas assumem caminhos opostos, que convergem porém sobre a mesma questão: o crime.

F(e)rida

Reconheço que tenho prazer em provocar Aristófanes e alguns apaixonados...mas felizmente tenho do meu lado Platão, que detestava Aristófanes, tenho comigo neste texto, Lucrécio que descobri por acaso (e toda a filosofia) e tenho Freud, Rilke e Proust e todos os poetas que não mentem sobre o corpo!

Dir-se-á que o essencial não está nos livros, o que não me custa a admitir. Mas onde estão na vida real os exemplos, e o que provam? Acontece, que raramente me lembro de um casal que teria vivido essa fusão, esse absoluto...
Também já me falaram de várias pessoas que disseram ter visto a Virgem Maria, e não dou muita importância a isso. Um testemunho é sempre apenas provável, e deve por isso ser confrontado com a probabilidade do que anuncia: se o acontecimento é mais improvável do que a falsidade do testemunho, as próprias razões que nos levam a crer nele devem-nos fazer duvidar da sua veracidade.

Ora, eu prefiro confiar mais nos corpos do que nos livros ou nos depoimentos. É preciso ser dois para fazer amor, e é por isso que o coito, longe de abolir a solidão, só a confirma. Os amantes sabem-no bem. Daí quase sempre o fracasso e a tristeza, tão frequentes nos amantes: Eles queriam um só e ei-los mais dois do que nunca... “da própria fonte dos prazeres”, escreveu magnificamente Lucrécio, ”surge não sei que amargor, que até nas flores sufoca o amante...”.

As almas talvez se pudessem fundir, se existissem. Mas são os corpos que se tocam, que se amam, que gozam, que permanecem... Isso não prova nada contra o prazer, quando é puro, nada contra o amor, quando é verdadeiro. Mas prova algo contra a fusão, que o prazer recusa exactamente quando acreditava alcançá-la: “Post coitium omne animal triste”. Porque se vê novamente entregue a si mesmo, à sua solidão; à sua banalidade; a esse grande vazio do desejo desaparecido. A solidão é o nosso quinhão, e esse quinhão é o nosso corpo

Quando muito podemos por vezes escapar à tristeza, e se isso acontece, é pelo deslumbramento do prazer, do amor, da gratidão, em suma, pelo encontro, que supõe a dualidade, e nunca pela fusão dos seres ou pela abolição das diferenças. Se dois amantes gozam simultaneamente ( o que não é a coisa mais frequente, mas deixemos isso agora para lá ) são dois prazeres diferentes, um misterioso ao outro, dois espasmos, duas solidões.

Daí a grande verdade do Amor: mais vale fazê-lo do que sonhá-lo...

segunda-feira, maio 22, 2006

Ja Ja Ja Ja Ja, Nee Nee Nee Nee Nee. Joseph Beuys (1921-1986)


O encontro com a Anna Bella Geiger foi por puro acaso... no Rio de Janeiro, com a E., numa exposição intitulada "Obras em Arquipélagos" mapas imaginários, páginas de geografias intímas, passagens e situações... "A mostra reúne a produção de quatro décadas (1960 até 2004), apresentando 88 obras, algumas muito pouco conhecidas, além de uma seleção de novos trabalhos em linguagem próxima ao poema-objeto." Havia também um filme a preto e branco, anos 60...incluía uma longa entrevista com Beuys. Uma brasileira, meia hippie, fascinada com o mestre qual Margarida... e que queria ouvir mais e mais, tal como todos nós ao ver este documentário.
Afinal era uma senhora ainda bonita com os seus sessenta e tal anos, que acabámos por encontrar no átrio... Com muito calma acedeu a trocar uns sorrisos e umas palavras connosco... Tinha conhecido Beuys bem demais e achou graça ao nosso interesse e coincidência...
Faz vinte anos que desapareceu Joseph Beuys e cerca de um ano que fui ver com os meus filhos aquela exposição perturbadora na Modern Tate, Bankside, London SE1.
Nunca tinha ouvido falar no Joseph Beuys antes a exposição da Anna Bella Geiger... Esculturas estranhas com materiais tão diversos como madeira, ferro, lixo, sangue, feltro e graxa....a predominância de feltro e graxa na obra de Beuys é segundo as suas próprias palavras devida a um incidente ocorrido na guerra.
Joseph Beuys foi alvejado e o seu avião foi abatido durante uma missão na Criméia onde foi recolhido por tártaros. Uma entrada na "Luftwaffe" e uma queda perfeita, onde "ressuscitou" ao fim de muitos dias. O processo pelo qual acabou o seu envolvimento na guerra nunca foi bem esclarecido...
Das enormes queimaduras teria sobrevivido ao ter sido recoberto por feltro e gordura. Não se sabe se essa história é verdadeira, mas agora já faz parte do mito que cerca a figura de Beuys.
No final acompanhava a exposição uma reportagem. Para Beuys, a ligação à natureza não é xamânica. É uma espiritualização do futuro, como na antroposofia que subjaz à sua formação. A pesquisa espiritual de Beuys não procura no passado, integra o passado espiritual num projecto de futuro. Uma espiritualidade consciente e não atávica; não adquirida mas construída... Ultrapassar o irracional e o racional, através de uma procura em que o "oculto" se torna "manifesto".
Depois da guerra, Beuys increveu-se na Academia de Arte de Dusseldorf para estudar escultura. Durante os anos 60 junta-se ao grupo"avant-guarde" Fluxus cujos concertos públicos associavam literatura, música , artes visuais e elementos da vida quotidiana. "Libertar as pessoas é o objetivo da arte, portanto a arte para mim é a ciência da liberdade".
Expulso em 1971 da Faculdade como professor, decidiu continuar a dar os cursos para todos os que o procuravam livremente...onde Beuys desenvolveu o seu conceito de artista como agitador, militando na mudança social. Durante os anos 70, envolvido na política, em campanhas para a reforma do sistema educativo na RFA, nos debates sobre as verdadeiras raízes da democracia alemã, recém imposta pela derrocada do nazismo (Não resisto a lembrar-me do Heinrich Böll e la Grimacee ) onde juntos com uma boa parte da "inteligentsia" do seu tempo colaboraram na fundação do Partido "Die Grünnen".
Em 1982, em Kassel, faz uma exposição como "pretexto" para o desenvolvimento de uma "acção". Após uma longa discussão sobre o homem e a árvore, onde se abordam múltiplas aproximações, desde a mitologia à antropologia e à ecologia, Beuys e as várias dezenas de pessoas plantam 7000 castanheiros. "Plantando árvores, as plantas plantam-se também em nós. Assim coexistimos, sendo um no outro".

quarta-feira, maio 17, 2006

Um Professor no Café Luxemburgo

Não quero falar outra vez no Holocausto nem na Guerra do Iraque nem no Presidente que tem estado bem (tem falado pouco...felizmente).

A propósito de outras conversas aqui no cyberespaço escrito em português (CEEP) lembrei-me desse tempo da tertúlia que eram os cafés e que depois durante a ditadura passaram a ser as salas e caves escondidas das livrarias.
Hoje, a geração FNAC e que viaja muito mesmo sem sair de casa pode escolher o tema que quiser sem se preocupar com o tempo que sobra, na impossibilidade practica de encontrar um emprego diferente de passar os dias numa caixa de supermercado ou a servir bicas ao balcão. Mas não quero ir por aí...
Quero é como o Antonio Tabucchi, que as palavras fiquem escritas e que tenham um nome. Tenho uma aversão a um certo discurso em voga que relativisa tudo e vale apenas por si só. Como aquela afirmação pseudo intelectual em que duas pessoas de boa fé, com base nos mesmos dados, têm que chegar a conclusões idênticas. Mas também não quero ir por aí...

A ciência nomeadamente as ciências sociais e a literatura adoraram sempre degladiar-se neste debate eterno sobre a representação ou livre representação da realidade. Sobretudo no caso de uma disciplina que se aproxima da minha, se cruza e descruza em namoros com é o caso da Literatura. A única diferença é que a minha dama, mais desconfiada e por isso menos sonhadora, refere-se normalmente a factos observados por vários participantes situados muitas vezes em campos antagónicos. Do ponto de vista da escrita da narrativa só temos a aprender com ela. Da gramática à poesia.
Todas elas representam uma parte deste saber que cada vez mais necessita da sua reconciliação com a arte e a vida. A economia deve estar ao serviço do homem e não o contrário... "tout court". Não existe pensamento único nem morte da História, enquanto esse sucesso do capitalismo neoliberal e da democracia, se basear na crescente exclusão do "outro" da parte do bolo que lhe cabe pelo seu trabalho.
Vou tentar ser mais simples... a minha Professora diria que esta estória dos "posts" é uma verdadeira psicanálise de "bistrot". E não deixa de ter razão... Mas aposto que não conhecia o Norbert Elias!

Norbert Elias era praticamente desconhecido com cientista social em Portugal depois do 25 de Abril. Aliás, o reconhecimento internacional de Elias é tardio em toda a comunidade científica. Mais um alemão( dizem uns...este gajo só pensa em germanicar a malta), judeu (lá tinha que vir mais um para a colecção...), que fugiu ao nazismo nos inícios dos anos 30, enquantos outros escreviam, convivendo com essa situação, romances e poesia...
Estudou Psiquiatria e Filosofia e esteve a um passo de se tornar o asssistente de Karl Mannheim na Universidade de Frankfurt. Viveu em Inglatera quase 40 anos. Jubilado em 1969 em Leicester passou a ser conhecido como um dos mais eminentes sociólogos do seu tempo, com a republicação internacional da sua tese de "habilitation" O Processso Civilizacional , editado na Suiça, numa pequena editora em 1939. E traduzido entre 69 e 83 para praticamente todas as línguas. Elias deu um contributo fundamental para a sociologia moderna. O seu texto sobre Os alemães é de uma extraordinária riqueza, combinando a história polítical-social e cultural com a sua veia freudiana (que nunca perdeu). A sua tripla formação, filosófica, psiquiátrica e sociológia aparece em toda a sua obra. A sua longevidade criativa permitiu-lhe desenvolver um pensamento original deixando como legado as suas ferramentas teóricas, hoje ao dispor de todas as Ciências do Homem. Os seus textos tardios são de uma beleza extraordinária e ilustram o verdadeiro humanista que sempre foi. Simplesmente um Homem. Errou na avaliação que fez das capacidades de sobrevivência do império soviético, mas entendeu que a guerra é a expressão mais brutal das relações de violência e representa um retrocesso e um falhanço grave no processo civilizacional e nas relações internacionais entre os povos.
O ensaio sobre o Tempo, Os estabelecidos e os outsiders, A solidão dos idosos são livros que podem ser lidos com imenso agrado, como o jornal Tintin, dos 9 aos 99 anos. Toda a simplificação é naturalmente ela também resultado de um processo civilizacional que molda os nossos comportamentos e ousa hoje através do controle dos medias moldar o nosso próprio pensamento. Aliás, para ainda ser ainda mais claro, considerando o crescimento dos saberes sem precedência na História, o que se verifica é que se acentua a desigualdade entre os que os possuem e os que deles estão privados.
Essa é a razão pelo qual gosto de algum rigor, abertura e tolerância, que são as características fundamentais de qualquer atitude e visão responsável de um cidadão da Terra.
Daí o meu pouco interesse pelo nacionalismo, e outros ismos que já demonstraram a pobreza intrínseca do pensamento único.
Mas quando se fala em processo não significa progresso, tal como foi um verdadeiro retrocesso a barbárie nazi e tenta hoje ser a prática e a propaganda do novo império americano e dos seus incondicionais defensores.
Infelizmente não sou bruxo e não advinho quanto tempo esta situação vai durar. Mas admito até que não vá durar muito... A ética política que recusa o diálogo e a discussão de qualquer origem, não tem respeito pelo outro, pelo que não se pode queixar com o que lhe vier a acontecer....

O Norbert Elias achou que já era tarde. Despedimo-nos e prometemos encontrar-nos de novo no próximo ano em Paris... Foi a última vez que o vi. Morreu em 1990, em paz como ele explicava. Orfãos ficamos nós que o perdemos.

terça-feira, maio 16, 2006

Caparica Song


Há uns anos, começei a ler poesia...
De repente, fartei-me do Freud, do Jung, do Camus e do Satre e deixei-me levar pelo azul!
Ficaram para trás, a psicopatologia da vida quotidiana, os actos falhados e aquela estranha sensação do "dejá vu", dos discos voadores e das alucinações colectivas dos crentes... eu gostava era dos olhos dela, que me deixavam prever planícies e campos inexploradas. Lançei pois os búzios na areia...e peguei na mochila e na minha 125 azul rumei ao Sul. "On the road again".
Os caminhos para os mais novos dão sempre certo, talvez porque nunca antes foram explorados... No entroncamento das linhas, no local mágico dos encontros, os amores são sempre felizes. Riem e festejam a vida sem querer mesmo saber se a linha tem um fim. Deitam flores pelas janelas e não querem saber que para os mais velhos é sempre mais difícil escolher as carruagens...
América.
"Dirijo-me para ti.
Vais permitir que a tua vida emocional seja dirigida pela "Time"?(e pela Forbes...)
Vem-me agora a ideia de que também posso ser a América...
E não quero mais guerra!
São os malandros dos iranianos que nos estão a provocar.
Os iranianos, os brasileiros, os ucranianos, os chinas e os russos.
Isto é muito grave. Isto está certo?
Como eu costumava dizer...
Eu não quero ir para a tropa nem trabalhar em turnos!
"Queremos conhecer a face de Deus...quero que Deus me mostre a sua face, ponto final, seja pelo sexo, pela droga ou pela loucura".
O que significa hoje a beat generation ? A Poesia com os seus ritmos, o inferno com os seus santos... Kerouac, Ginsberg, Ferlinghetti, a escrita de Henri Miller, o som de Charlie Parker...
Este fim de tarde tarde estive na distintissima OA a ouvir falar de espiões. E éramos muitos, todos ali juntos. Estórias de como o cyberespaço tem prolongado os cafés como ponto de encontro e aproximou uma distinta procuradora de um ilustre advogado...
Quase 50 anos depois, ainda continuamos todos à espera do renascimento do maravilhoso.
Eu pelo menos quero manter o meu "Atelier du Bonheur" ainda aberto por muito tempo!

segunda-feira, maio 15, 2006

The piano has been drinking...the piano has been drinking...not me, not me!

Talvez tenha tido sempre 45 anos; talvez a única canção que tenha sempre tocado tenha sido "Unhappy song", a canção em que se queixa "Setembro, Outubro, Novembro, Dezembro e ela continua sem voltar". Com um grupo de fans e gente inteligente fui ouvir um Lloyd Cole totalmente Acústico ao Cine-Teatro de Alcobaça.
É interessante como a oferta cultural tem aumentado substancialmente nas pequenas cidades do Litoral. Uma nova classe de quarentões e quarentonas, perfumados e bem vestidos aproximam-me perigosamente do poder local. Não havia gente suja nem despenteada por ali...
Ele próprio sabe quem é o seu público e goza com isso: Lloyd Cole quando interrompe o espectáculo, sabe que é para que os pais possam falar com as “babysitters” para saber se está tudo bem em casa... Em Alcobaça, foi mais um telemóvel que parecia uma sirene, o que o levou a comentar se estariam todos bem ali na sala, provavelmente por causa do calor que se fazia sentir.
Houve palmas e gritos, depois de todas as canções o que demonstra que a malta do Oeste, na sua grande maioria já domina bem palavras em língua estrangeira.
Conhecia mal o “Lloyd Cole and the Commotions”, essa geração póspunk...de poetas neo- beats... da mesma maneira, como conheço mal a cidade de Alcobaça. As minhas raízes são verdadeiramente urbanas e venho de uma geração mais velha, estupidamente optimista, nas capacidades das pessoas em continuarem em permanente transformação... Confesso que por vezes desespero, mas é sol de pouca dura...still crazy...
Sou portanto um gajo menos sensível a este tipo de canções de” Amor e de ódio” à Leonard Cohen ou a uma série como o s Sopranos, e por isso muito menos bêbado que o Tom Waits ou passado como o bonitão dos"Six feet under"!. Só sei que há duas Joanas e uma é a Brenda porque nós lhe chamámos assim.. Gosto mais de uma onda "Black Ridder", mais "soft", mais Britcom. Já não faço revoluções e confesso, que gostei bastante da letra daquela canção que falava sobre um jovem idealista. “I don´t recall your name...sorry baby!”.
Dito já tudo isto... achei o rapaz muito bom, domina bem o instrumento, tão bem como o copo de whisky. (Aqui até podia ser filho do Vinícius...com a diferença de mesmo bebido... só escrevia canções de amor).
O Lloyd tem ainda uma voz que se adapta muito bem a um inglês folk- pop que faz lembrar um pouco o Bob Dylan quando andava muito pedrado.
“Dizes que estás tão feliz agora que mal te susténs, mas estás preparada para que te partam o coração? Pois o melhor é preparares-te, querida, o melhor é preparares-te já. Porque, estás preparada para que te façam sangrar?". Evidentemente que ela não estava...
As letras falam de solidão, de abandono e mal entendidos especialmente com mulheres. São sempre,sempre inocentes as mulheres (Está também na moda do politicamente correcto!), como "Jennifer", como "Grace"( a minha irmã disse que também havia uma Jane e uma Rosalinda que ele nunca se tinha esquecido...), são "Undress", tema aliás sempre aliciante mas nem sempre fácil de entender “in foreign language”. Um gajo é que sofre bué, porque se sente culpado de deixar de amar! Em vez de whisky não era melhor comer chocolates, sr. Engenheiro?
Hoje, grisalho “good-looking”, com 45 anos, casado, as grandes dúvidas existenciais são "My little butterfly" - onde está o pino vertiginoso do amor depois de passar a paixão. Onde estão as borboletas quando o estômago chega à idade adulta, porque carga de whisky, o Lloyd continua a cantar estes temas “deep down”, depois de confessar que é feliz, que já deixou a cocaína, dormindo muito melhor assim sem mais insónias... mas cada um sabe de si, não é assim agora?
Eu cá por mim para ser sincero gosto mais de ouvir o Sérgio Godinho, a dupla Té/ Veloso e até mesmo o Abrunhosa!
Já não há canções de amor como havia antigamente....
The piano has been drinking...the piano has been drinking...not me, not me!

quarta-feira, maio 10, 2006

A Fool on the hill

Deus, estava convencido Baudelaire, preservava aqueles que amava das palavras inúteis.
Mas como adoro representar as diferentes temperaturas e os fenómenos psicológicos da minha alma, aqui ficam algumas observações para não haver confusões. Tudo é e não é ao mesmo tempo (A.M.L.).
Algumas personagens que vão começando a povoar este território de amigos têm cara e mesmo coração...o caso da Barbara e da sua canção sobre o absinto "On n' ècrit pas avec de l'eau...". O caso do Juan Rulfo de que ainda não falei muito, do Pedro Páramo (e a metafora é interessante...) e que vêm a propósito do livro que ando a ler, Tristano morre, do Antonio Tabucchi. Personagens como o Páramo existem e são vários os Pedros que conheço. Existem a sério e ninguém os consegue parar...

A brincadeira dos gambuzinos é dele. Mas existiu connosco e como tantas passagens da sua escrita, a passagem por Portugal é tão clara que me deixa simplesmente delirante. Reconheço nele os mesmos sons, as mesmas cores, os mesmos cheiros, a mesma maneira de observar por exemplo a lata de conservas...enfim, os fragmentos que povoam o seu(nosso) breviário mediterrânico. E sabem quem rege a batuta? Peço desculpa ao Antonio mas a meu ver não é a Frau, não!
Tenha ela o nome que tiver. Existe sempre uma Joana, uma Sílvia ou uma camarada Conceição na vida de um homem. Existem também Teresas e Margaridas. Todas as flores e cada uma o seu perfume. Lulu...c'est moi!
O Rulfo quanto a mim estava mais perto da resposta... Só depois de uma noite em Belgrado é que se começa a ser homem. É na companhia dos fantasmas que nos rodeiam, que não nos deixam descansar...que deixamos o medo para trás.
Sejam eles apenas o som longuínquo dos cascos do cavalo que chega de madrugada sem cavaleiro, ou a visita nocturna da polícia política, ou as bombas. Este blog é mesmo para ser "descabelado"... para que as personagens que vão surgindo façam ouvir a sua voz numa partitura que se vai escrevendo... Sobre as linhas da vida e do coração, essas... como me ensinou o meu mestre Corto Maltese, alteram-se nem que seja com um canivete! A vida constrói-se todos os dias, como dizia o Dalai Lama, a felicidade é o caminho...que obviamente ninguém é obrigado a percorrer.
Isto vem a propósito da vida de todos os dias, das hipocracias dos nossos políticos e outros chefes que nos chateiam, dos nossos heróis que nos visitam e dos amigos que nos convidam para a mesa onde se disputam iguarias, cantares e risos. Em Tristano Morre, Dafne adorava melancia como todos os gregos e latinos. "Os americanos não gostam de melancia se calhar porque aquilo é só água, não tem vitaminas."(p.52). A vida apenas vista através de um olhar de alguém diferente de nós.

PS: "Perdi" Nathan le sage e também la Grimace, traduzidos do alemão para françês. Os divórcios são sempre assim. Acabamos sempre por nos chatear e por perder metade dos nossos verdadeiros tesouros!

The Fool








Fechei-me
no teu amor,
sonho...pássaro.

Quando se bebe demais dizia a Duras, volta-se ao princípio infernal da vida. Falamos de felicidade, dizemos que é impossível mas sabemos muito bem o que essa palavra quer dizer.
Sempre que Plutão entra na casa do Leão a desordem acompanha toda a a existência, toda a liberdade que só pode ser entendida como mais um entusiasmo embriagador...nada mais de especial dizia Nathan.
Em todas as épocas e em todos os tempos houve momentos de convulsões. E depois? Amanhã temos aulas de manhã? O Prof. de Português tinha uns sapatos enormes e revirados pela vida não era? E o Floriano não dava aulas de Filosofia ao ar livre na Biarritz? Acho que vou ter que falar com ela. NÃO! Estou mesmo apaixonado. Não é apenas uma expressão analítica da densidade.

Simdizia o sábio...Não há nada que não possa situar a nossa fé acima de todos os dogmas, do lado da moral e de um humanismo tolerante.
Mas naquela noite eu estava em Belgrado quando os americanos bombardearam a cidade.
Mataram alguns sérvios mas mataram também os últimos gabusinem, Dr... Não sei mais onde eles param. Nada nem ninguém podem fazer que esse vazio que se descobre num dia da adolescência nunca tenha existido.
Ainda ontem andava à noite com uma lanterna ao pé do riacho a ver se os ouvia passar... Mas só encontrei aquela lata aberta com a tampa encaracolada e já ferrugenta.

O piano é meu, mas leva-o... deixa-me apenas a escova de dentes.
Afinal qual de nós dois inventou o outro?

quarta-feira, maio 03, 2006

Dassein


A história de amor entre Salomão e a rainha do Sabá, é uma historia de sedução e de miscigenação.
Dos olhos e do olhar.
O primeiro rei da Abissínia, Menelik era mulato com cabelos claros: fruto de uma breve união entre a africana rainha do Sabá e o soberano judeu Salomão.
Na A Mulher que escreveu a Bíblia, Moacyr Scliar( Porto Alegre, Brasil e ainda bem vivo!) mostra muito bem o que os olhos e a inteligência de uma mulher podem fazer de um homem... muito mais do que apenas um filho.
Deliciámo-nos com um jantarzinho (uma sopa de carne e grão com tempero à alentejana). O Pedro comentou: Nunca tinha comido nada assim.
A Joana chorava no carro do pai que um dia a tinha agarrado à janela do 11º andar da Portela...Vou situar o choro muitos anos depois. Era a minha filha! E agora vou ficar sozinho...Já estou sozinho desde que o puto saiu depois do jantar. Amanhã vai ter teste de Português. Falámos sobre o Fernando Pessoa...e ele até já sabia uns poemas...
- Mas porquê Sr. Engenheiro? Pensei: que sorte que tive eu em conhecê-lo assim tão jovem e ainda tão novo. Também guardei aquele pensamento positivo... contente porque existo. Saí de casa para um grande fim...Não voltar ao escritório. E mudar de vida enquanto o medo de morrer de frio lá dentro fosse maior o de calor cá de fora. Não admira que me sentisse livre, sem saber o porquê e o de quê...

segunda-feira, maio 01, 2006

1º de Maio

Hoje foi o primeiro dia de Maio !
O Dia Mundial do Trabalho,
o primeiro feriado livre,
depois do 25 de Abril!

Não interessa se o Presidente Cavaco leva cravos ou não para o discurso do 25 de Abril, mas tem que ter em atenção este dia tão particular. .. Não se comemoram hoje apenas a queda do regime autoritário que governou Portugal entre 28 de Maio de 1926 e o 25 de Abril de 1974!
Não!

Estamos a comemorar o dia do trabalhador, não dos sindicatos coorporativistas, nem o da CGTPnem da UGT! Estamos a comemorar um dia histórico.

O Dia Mundial do Trabalho foi criado em 1889, por um Congresso Socialista realizado em Paris. A data foi escolhida em homenagem à greve geral, que aconteceu em 1º de maio de 1886, em Chicago, o principal centro industrial dos Estados Unidos naquela época.
Milhares de trabalhadores foram às ruas para protestar contra as condições de trabalho desumanas a que eram submetidos e exigir a redução da jornada de trabalho de 13 para 8 horas diárias. Naquele dia, manifestações, passeatas, piquetes e discursos movimentaram a cidade. Mas a repressão ao movimento foi dura: houve prisões, feridos e até mesmo mortos nos confrontos entre os operários e a polícia.
Em memória dos mártires de Chicago, das reivindicações operárias que nesta cidade se desenvolveram em 1886 e por tudo o que esse dia significou na luta dos trabalhadores pelos seus direitos, servindo de exemplo para o mundo todo, o dia 1º de maio foi instituído como o Dia Mundial do Trabalho.

O 1º de Maio não foi apenas um sonho. Todos os anos, cada um à sua maneira comemora este dia como quer, uns como um dia de anos e outros como o dia das flores! (talvez o Eloy até tenha razão...).
Eu que não acredito em bruxas espanholas...nem mesmo andaluzes...Acredito na "Festa de Babette" que uma idiota de uma norueguesa teve a coragem de escrever!

Eu vou ser como a toupeira... ("Eu vou ser como a toupeira", o disco de 1972, é gravado em Madrid e também aí Zeca colabora com outros artistas, como o seu amigo e cantor galego Benedicto e alguns membros do grupo "Água Viva").
"Com o Zeca era assim, as experiências musicais sucediam-se e com Gilberto Gil, com Benedicto ou com Janine (cantora de jazz que participou em "Venham mais cinco"), saltava-se da música brasileira, para o folclore galego e logo para o jazz. E assim o Zeca se ia enriquecendo e a sua música, sem romper com as raízes, se ia universalizando".
Cantigas de Maio, sempre!

Jazz e feitiçaria na Margem Sul



Que som é este tão prodigioso e doce que me enche os ouvidos?
A teoria da harmonia das esferas remonta ao filósofo grego Pitágoras (570-496 a. c)... E por detrás de Pitágoras oculta-se sempre Hermes Trigemisto...
Kepler in Harmonices Mundi, 1619, veio tornar o sistema mais complexo, na medida em que atribui a cada planeta uma complexa gama de tons.
Sobre a relação entre música e literatura já muito se escreveu. Como sobre música e pintura também. Não serão estas três artes uma chave mágica que os deuses nos deixaram para entender aquilo que o criador nunca quis tornar inteligível?
Não pensem que estou a delirar. Acordei bem disposto com um sol que me entrava pelo quarto dentro...
Sonhei com a Jacinta a fazer de "sereia numa marcha em New Orleans" e na Marta Hugon que descobri, com dicas de uns amigos especiais numa prateleira da Fnac e foi o meu disco, este fim de semana! Gosto de ouvir música e especialmente jazz quando leio poesia ou banda desenhada. E como acabei "As cartas do Vinícius" peguei no novo album do Servais, L'assassin qui parle aux oiseaux, tome 2 (e final).
Foi através da banda desenhada( e da minha prima mais velha, claro) que comecei a falar uma espécie de "patois gaumais"... qualquer coisa de francês, mas que me dava quase sempre um suficiente menos com tendência para mediocre mais... A minha prima, essa usava mini-saia e fumava( às escondidas...obviamente), um verdadeiro "L'Ange Noir"à portuguesa. Tinha tido um namorado francês durante as férias (que felizmente já tinha regressado à Bretanha) e tinha todo o tempo e gosto de me ensinar durante umas horas extras, simplesmente... francês.

Claro que encontrarei sempre algumas razões para continuar hoje a sonhar em francês, mas estas duas foram sem dúvida importantes...

Mais tarde escrevia cartas de amor à Duras... antes do encontro célebre, com a própria Marguerite durante um debate no festival de cinema da Figueira da Foz. Tinha acabado de ver um filme extraordinário... "Le Camion" sem dúvida um dos filmes que me abriu as portas para outros realizadores considerados mais difíceis. Mas era Setembro e o tempo jogava a nosso favor. Fiquei chocado mas sobrevivi. Ficava aquela música maluca de um pianista extraordinário, um Nino Rota argentino que compunha música para filmes, os filmes dela. Carlos d'Alessio cujo vinil ainda conservo religiosamente e que ainda oiço quando quero que todos se calem!
Quando fui ver "O último ano em Marienbad" do Resnais com a minha já namorada, ela adormeceu e as únicas palavras que lhe ouvi durante todo o filme foram: já acabou?.
E como a prever... o franco-belga foi também por necessidade a minha segunda língua de opcção. Nos anos que vivi em Hamburgo, nessa terra de bárbaros que ultrapassaram o Elba, resolvi ler tudo o que havia sobre cultura alemã, obviamente em Francês. ( Não, não li "Nathan o sábio"...). Ouvia sim, ao contrário, sempre o jornal da TV5 ( Ainda não havia ARTE!), comprava a Lire e via todas as feiras... o programa literário do Bernard Pivot. Foi aí que conheci ídolos de outro modo perfeitamente inacessíveis. Lembro-me de ver por exemplo a Françoise Sagan...que falava obsessivamente depressa...enfim. Quem diria que a autora de Bonjour tristesse, o primeiro romance que ousei ler no original era assim tão "passada". Claro que havia mais mulheres na minha vida, mas não havia nenhuma que se comparasse a uma Barbara... Havia também, claro, a "Joana francesa ( Do Chico Buarque) e do Jules e do Jim", a ousada B. Bardot...Sou apenas de uma geração que veio de França, como outras vieram... de Africa ou das Américas...tout court.
Porque não sejamos ingénuos... as mulheres estão sempre no centro do mistério, e foram elas que nos ensinaram a voar sem vassoura.
As andorinhas voltaram.
Adoram ouvir jazz.
E gostam de se colocar mesmo em frente de casa em cima dos cabos de electricidade.